quarta-feira, 15 de maio de 2013

Uma realidade que não é só vossa

Hoje voltei ao trabalho. Qual não foi o meu espanto, ao talvez não, quando fui recebida com manifestações emocionadas e entusiastas de alegria. Abraços e beijos lambuzados. Creio que algumas delas até choraram um pouco. Gritavam ao desbarato, as tontas: "Conta-nos tudo!!! Ai que linda que estás morena!!! Bebeste muito??? Vomitaste na praia?? E gajos?! Fala-nos de pilas!!!" Oh diabo... Mas eu sou algum filme porno com pernas?! Pedi que se explicassem imediatamente. Fiquei então a saber que na minha ausência falou-se apenas de hemorróidas, cálculos renais e toques rectais durante a hora de almoço. Estavam deprimidas, coitadinhas. Aquela hora não tem tido metade da magia, lamentavam elas. Fiz a minha cara número 43, aquela que fazia quando dizia à minha mãe que tinha ido à catequese, quando na realidade tinha estado a fumar tabaco de mistura e a dar curtes atrás do pavilhão do ginásio, e disse-lhes que não tinha nada para contar, que só tinha estado na praia a beber sumos naturais e a apanhar sol. Acreditaram a custo. Mas logo houve uma que perguntou: "Então e homens lá em casa?" Ai a merda, ahn?? Então mas eu tenho cara de empresária do putedo em nome individual?? Pedi que se explicasse imediatamente. Disse-me a tonta que da última vez que se avariaram coisas aqui em casa, veio sempre um homem qualquer com conversas hilariantes. Lembrou-me do guineense que vinha arranjar os azulejos da casa de banho, que bateu à porta e perguntou "Posso entrar e batumar isso tudo agora?". Lembrou-me do canalizador que me explicou "Isto é só esfregar aqui o buraquinho com vaselina até isto tudo escorregar sem prender, mas olha que isto é vaselina industrial, não é da que tu conheces....". Lembrou-me do senhor que veio arranjar o frigorífico numa manhã de verão em que eu estava de ressaca e que me deu o número pessoal de telefone depois de eu ter justificado o cheiro esquisito que estava em casa com "Este cheiro é aqui do bacalhau... por estar molhado... desde ontem... o que está no alguidar... que o resto cheira tudo bem.". Disse-lhes então que o microondas avariou durante as minhas férias. Houve gritos de alegria. Uma começou a fazer chá e logo apareceram pacotes de bolachas em cima da mesa. Dezenas de olhos brilhavam expectantes. Disse-lhes que a preta tratou de pedir à mãe um microondas velho que ela tinha lá para casa para desenrascar. Houve suspiros de desilusão. Os olhares estavam dispersos, uns pregados no chão, outros perdidos no infinito. A chaleira já fervia, mas ninguém se chegava para acabar o chá. Disse-lhes que a preta não conseguiu levar o microondas da mãe sozinha porque era muito pesado e pediu a uns homens lá do bairro para levá-lo a nossa casa. A água quente começou a ser distribuída nas chávenas e houve brindes com chá. Alguém barrava doce de morango nas bolachas que distribuía pelas restantes colegas entre gargalhadas eufóricas. Alguém pediu silêncio e fez-me sinal para continuar. Disse-lhes que aconteceu tudo na minha ausência e que quando cheguei das férias já tinha a peça de museu na cozinha e o microondas morto no lixo. Chávenas foram atiradas ao chão. Murros foram dados na mesa. Murros foram dados na cara umas das outras. Pessoas saíram com facas de barrar doce e colheres de chá em punho e não voltaram. Outras choravam e soluçavam desoladas. A preta ainda não chegou a casa. Estou preocupada.

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