segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Era uma vez uma história de amor.

Venho de uma terra onde a poesia paira no ar. As manhãs começam com o cantalorar dos passarinhos, há senhoras a ir comprar o pão em robe e chinelos de quarto, os hálitos dos homens já cheiram a bagaço e os cães vadios ainda dormem junto aos contentores do lixo. É com saudade que guardo estas imagens na minha memória, enquanto as semanas passam e eu estou longe da casa dos meus pais. Mas, com grande alegria, acaba sempre por chegar aquele fim de semana do mês em que vou fazer a visita obrigatória e abastecer-me de laranjas e limões. Com o saco de desporto ao ombro, lá saio de casa para apanhar o autocarro, e pelo caminho até à estação, lá vou reconhecendo uma cara ou outra do meu passado. "Epa, já não via este/a gajo/a há séculos...", penso eu, enquanto reconheço um buço ou um ou outro vigoroso coçar de tomates, "deixa-me lá sacar dos óculos escuros da mala e baixar a cara antes que algum deles se lembre de mim". Já na estação, na fila para o autocarro, já não são só as caras que despertam reacções na minha memória, os comportamentos também. E se há coisa que se faz bem na minha terra, é engatar. O franzir de sobrancelhas, a mão que não sai da própria genitália, o fumar com o cigarro meio esmagado de forma viril entre o indicador e o polegar, são especialmente exuberantes nos machos da minha terra. O fingir-se desentendida mas sedutora, a ajeitar o decote enquanto se espeta o salto alto sem capas nas pedras da calçada e se cai meio desamparada, porém sorridente, com as mamas escarrapachadas em cima do macho, enquanto se faz uma dissertação sobre qualquer assunto especialmente intelectual, são líricos nas fémeas lá do bairro. Pois que, este sábado, chego à estação para apanhar o autocarro e deparo-me com um destes rituais de acasalamento. Casal na casa dos vinte, cabelo com as famosas madeixas californianas que fizeram furor este verão e que não levaram nenhum retoque desde que foram feitas de um lado, fato completo de ganga lavada, com ténis brancos e anel de ouro em dois dedos de cada mão do outro. Sorri e tirei o auriculares dos ouvidos. Música para quê? A magia estava no ar. Entrámos no autocarro, éramos apenas 4 ou 5 passageiros, mas mesmo assim sentei-me no banco atrás do casal. Deus me livre de fazer esta viagem sem me presentear com o vosso romance, meus pombinhos. Ela, claramente, estava na fase de se mostrar uma mulher super-interessante, super-culta, super-viajada e super-séria. Ele comia-lhe as mamas com os olhos. Ela começou por falar de viagens. Viagens, só para destinos com cultura, arquitectura e história. Rapidamente passou para as maravilhas naturais do mundo e para as praias paradisíacas que já tinha visitado. Ele continuava a comer-lhe as mamas com os olhos. Ela começou a falar em quadros e pintores, museus e desenhos animados. Ele comia-lhe as mamas com os olhos. Ela passou a falar de vinhos, agricultura, restaurantes e hotéis. Ele sorriu. Comia-lhe as mamas com os olhos Ela sorriu de volta e perguntou se ele já tinha combinado jantar com alguém. Ele hesitou. Ela não desarmou e adiantou logo que se não desse para jantar, podiam sair depois para beber um copo. Ele hesitou mais um pouco, pousou a mão no ombro dela e, enquanto lhe comia as mamas com os olhos, disse docemente "Isso não sei, mas eu depois posso ligar-te à noite... dá para foder?". E foi isto. Até me vieram as lágrimas aos olhos. E isto acaba por ser assim em todo o lado. Com menos delicadeza no resto do mundo, é certo, mas isto é assim. E eu gostava mesmo que as pessoas soubessem que isto é assim. Sempre. Porque se as pessoas soubessem que é assim, aquele anormal que não me conhece de lado nenhum, feio como as noites de tempestade, com verdete nos dentes e glaciares de caspa na cabeça, e que do nada decidiu perseguir-me até me encontrar e encetar a primeira conversa da vida dele comigo com um "Tens um cabelo bonito" seguido de 30 convites para passear pela cidade, já tinha percebido o que eu quero dizer exactamente com os meus repetitivos "Não, não vai dar.". 

26 comentários:

  1. Sou bem tímido pah... posso ir passar uma temporada a casa dos teus pais?
    Preciso de me enraizar nessa cultura... estou farto de "ser a gaja do casal"!! ;)

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    1. Não divido as minhas laranjas com ninguém. Ficas já avisado.

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    2. Amiga... laranjas limões, tangerinas... é o que tu quiseres, eu levo. Merda dessa tenho eu muita... falta-me é esse romantismo que esbanjam as ruas da tua terra...

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    3. Duvido que isto se aprenda. Está-nos no sangue.

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  2. «O fingir-se desentendida mas sedutora, a ajeitar o decote enquanto se espeta o salto alto sem capas nas pedras da calçada...»

    tu sabes que eu adoro ler-te, minha snailzinho linda, mas esta visualização, foda-se... vale ouro!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

    beijos, miuda mai linda :b

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  3. Eu também te comia as mamas... Mas antes de te perguntar se dava para alguma coisa, levava-te a jantar.. Comias o que quisesses, eu comia-te as mamas... Aaaah, comia "à espanhola"!

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    1. Levar a jantar antes? Isso é coisa de betinhos da cidade, pá!

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  4. homens, sempre directos ao que interessa.

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  5. Tens de mandar os teus textos para a TVI. Pode ser que comecem a melhorar os argumentos das novelas! :D

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    1. Ainda consegues ver novelas? Principalmente as da TVI? Eh valente!

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    2. Na verdade não! Recuso-me terminantemente. Mas imagino que sejam sempre a mesma coisa. Pelo menos os actores são. Por isso uma bocadinho de animação fazia-lhes bem!

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  6. Gosto de homens assim directos.
    És uma pobre e mal agradecida!

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    1. Verdete.... caspa....
      Ele que se enfie directo na próxima sarjeta.

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  7. Tens que ser mais directa, como o teu conterrâneo. Ou já tiraram a aldeia da rapariga?

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    1. A aldeia não tiraram, mas já 'injectaram' um pouco de outras coisas.

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  8. O romantismo da coisa é inegável mas eu fiquei curioso pela resposta da moça. Com tanta publicidade às mamas da dita bem que podias ter tirado uma foto para ilustrar toda a narrativa .P

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    1. Tive de ter um "ataque de tosse" para disfarçar o ataque de riso. De qualquer maneira, ela não me pareceu chateada ou ofendida, houve risos e beijos na boca a seguir.

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    2. Tudo acabou em bem, o que a malta quer é fazer O amor fofinho!

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  9. Tanta "gente" a viver acima das suas possibilidades com despesas com jantares românticos ou simples, flores e peluches com camisolinhas a dizer Love You, e afinal de contas tudo se resume à simples questão:

    "Dá para foder?"

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