terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Deste Natal

Este ano, tal como nos últimos quatro anos, estive de serviço na véspera de Natal. Foi um turno calmo, posso dizê-lo, pelo menos quando comparado aos anteriores. Saí do serviço às 23 horas e o caminho até casa dos meus pais, tal como nas vésperas de Natal dos anos anteriores, foi feito perdida em pensamentos. Lembrei-me que este ano ia menos cansada. Lembrei-me que no ano passado um dos últimos doentes que vi foi um monhé com gastroenterite, com um aroma que misturava harmoniosamente o cheiro a caril e vomitado. Lembrei-me que a luz tinha faltado poucos segundos depois de ele entrar na sala e que, no escuro, o olfacto apura-se de tal modo que tinha tido a sensação que me estavam a espancar o nariz com chamuças fora de prazo a fervilhar de salmonelas. Depois lembrei-me daqueles ceguinhos que pintam postais com os pés melhor do que eu desenho o boneco enforcado daquele jogo infantil de adivinhar palavras. E depois ainda me lembrei dos autistas que decoram listas telefónicas inteiras. Daqui a lembrar-me do meu pai foi um instante. Na última festa familiar, lembrou-se de contar uma história interminável sobre a pila dele e da reacção da mesma à algália durante um internamento que teve há uns anos. Palestra essa, dada à mesa de jantar com a sogra da minha irmã presente. Coitadinha da senhora, merecia uma medalha por ter mantido a pose durante a odisseia de quinze minutos sobre a pila do compadre. Entretanto, chego a casa. Todos sentados à mesa, com o meu pai meio bêbedo a falar entusiasmado, a minha mãe meio bêbeda a rir que nem uma desalmada, a minha avó de boca aberta e estática como quem está a olhar para o demónio, os meus tios a fingir que viam qualquer coisa no telemóvel e a minha prima com uma cara de quem pede socorro. Ainda apanhei parte da conversa dele que dizia qualquer coisa como "ali estava na marquesa.... a anestesia.... o tubinho a entrar.... a próstata....". Indignada, perguntei "Tu não me digas que estás a falar da tua pila outra vez??". Com a língua a enrolar, disse com o ar mais sério deste mundo "Se trabalhas num hospital, devias saber que o exame à próstata é feito pelo cú!". Meu rico pai. Fiquei muito mais descansada. E, acima de tudo, esperançada. Talvez na próxima festa de família ele decida falar sobre joanetes. E talvez um dia eu venha a saber o que é um Natal e uma família normais. 

9 comentários:

  1. lol muito bom!!! O teu pai é uma moca!

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    1. Pelo menos, as nossas festas de família são sempre animadas. :)

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  2. Excelente!! LOL
    Não queiras uma família normal.
    Deixa cá ver os temas de uma q eu conheço:
    a crise, a sra q matou os 2 filhos, o tipo que castrou o castro, o vinho do ano x ou y, como arejar o vinho, os 10 doces q fizeram na noite anterior e como uns correram bem e outros mal, as horas extra que o primo anda a fazer no trabalho...
    A Cat, qse a matar-se, a certa altura pira-se para o sofá e é bombardeada com harry potters e shreks requentados...este ano desenvolvi um ódio mto particular pelo shrek, bicho mais estúpido.
    A certa altura comecei a contar as horas para me ir embora (sabendo que no dia seguinte teria de voltar, hurhrhr)...cheguei à conclusão que é tudo mto parecido com uma viagem de avião longo curso...sempre a contar as horas...

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  3. A minha ceia de Natal é sempre um momento muito alegre, que junta sogras e noras que se odeiam mas que se derretem em simpatias só para ficar bem na fotografia, e eu num canto a apreciar o filme todo, falou-se de muita coisa, inclusivamente da tal mãe que matou os filhos, nada como falar de desgraça numa noite em família, bom mas pelos menos ninguém falou em pilas ahahahahaha

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    1. Bem, vocês estão a fazer com que eu fique cada vez mais fã dos meus Natais atípicos! :)

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  4. Respostas
    1. Ouvi dizer que deus tem medo desta gente. :)

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    2. É um tipo ajuizado. Sempre fui adepto dessa teoria. Agora confirma-se.

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