Gosto de cegos. Até certa altura da minha vida eram-me indiferentes e limitava-me a afastar-me das suas bengalitas e seguir caminho. Mas depois aconteceu o episódio do cego que todos os dias apanhava o mesmo metro que eu de manhã, na companhia do seu cão guia. Saíam sempre na mesma estação que eu, ele e o cão guia. Já tinha lido numa revista sobre curiosidades, daquelas onde se fala sobre a diferente actividade cerebral durante o orgasmo em homens e mulheres, sobre as propriedades nutritivas do gafanhoto, sobre como o mundo vai acabar daqui a não sei quantos milhões de anos e sobre muitos outros assuntos de extrema importância para a vida quotidiana, que não se deve interagir com cães-guia de cegos. E foi por isso que, no dia em que o cego não saía do metro na mesma estação que eu como fazia todos os dias, me dirigi directamente a ele para perguntar se precisava de ajuda. O cego começou a andar com o seu cão, irado e ofendido com a pergunta e a gritar que lá porque era cego não precisava da caridade de ninguém, que podia fazer fazer a vida dele sozinho, que o cão lhe chegava bem e por aí fora. Como ele não me conseguia ver, limitei-me a afastar-me devagar, para as outras pessoas não perceberem que aquilo era comigo e fui para o outro lado da estação. No meio da multidão continuei a ouvi-lo gritar "Eu consigo tomar conta de mim! Está a ouvir-me?? Ouviu bem??" até o próximo metro chegar e abafar os gritos do cego com o seu abençoado barulho. Nesse dia passei a odiar cegos. Mas uns anos mais tarde, ia também de metro com a minha irmã e presenciámos um milagre. Um choque frontal entre dois cegos que, obviamente, não se viram um ao outro, com direito a bengalinhas pelo ar e um deles a pedir desculpa a uma parede porque já não sabia para que lado estava o outro cego. Rimos as duas até chorar e quase sufocar. Ainda hoje rimos até chorar quando nos lembramos desta história. Nesse dia passei a simpatizar com cegos. Simpatia essa que, este ano, foi elevada a adoração, depois de ter visto uns vídeos sobre competições de futebol para cegos. A sério, das coisas mais intrigantes que já vi: uma bola e uns gajos desorientados a dar chutos no ar. Hilariante. Tive dores abdominais de tanto rir durante três dias. Agora estava ali a arrumar uns pratos na cozinha. Abri a porta do armário, arrumei uns quantos, fui buscar mais uns, não vi que tinha deixado a porta do armário aberta e lá vai cornada. Acredito que seria hilariante para alguém que estivesse na cozinha ter-me visto dar com os cornos na porta e cair para trás agarrada à cabeça. Mas não estava mais ninguém na cozinha. Podem vocês dizer que isto é castigo divino por ser má pessoa e pelo que disse aqui no post de ontem, mas duvido que assim seja. É que hoje passei o dia inteiro cheia de gases. Peidos mesmo. Muitos peidos. Isto sim, cheira-me a castigo divino. À minha colega de casa apenas lhe cheirou mal.
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