Este ano tive uma passagem de ano diferente. Entre emigrações e novos namoros, o grupo do costume dissipou-se em escolhas diferentes para a noite de ano novo, pelo que acabei por passá-la com uma amiga de guerras antigas. Pessoa que partilha comigo o gosto pela vida boémia, teve uns aninhos de ausência devido a uma relação séria. Relação essa, que começou numa de tantas saídas nocturnas e que terminou recentemente. Enquanto combinávamos o plano para o jantar da 'grande noite do ano', que se realizou na minha casa, ela pediu-me se podia trazer um amigo e uma amiga. Disse que sim, claro, quantos mais melhor. E qual não é o meu espanto quando os três chegam e eu reparo que o amigo é uma antiga paixão dessa minha amiga. Entre olhares subtis, percebo que há ali qualquer coisa a rolar, consigo perguntar entre dentes, ela cora e diz um tímido 'ainda não'. Fiquei feliz pela minha amiga. Eles entram, despem os casacos e de imediato faço a apresentação da casa. Assim que mostro o quarto, a minha amiga exclama com voz trémula e emocionada ''Ah!!! A tua cama! Saudades da tua cama!''. Naqueles tempo em que saíamos juntas, ainda eu morava num T0 em que aquela cama era a maior peça de mobília da minha casa, e as noites terminavam religiosamente com o pessoal todo ao monte sentado na cama a comer massa com atum e a rir até adormecermos um para cada lado. Eu rio-me com cumplicidade, mas segundos depois reparo no ar desconfiado do 'amigo'. Tento salvar a minha amiga.
Posto isto, e antes de continuar com esta linda história de amizade, vou só ressalvar alguns pontos importantes que podem facilmente identificar na breve nota introdutória do monólogo que se segue. Eu sou uma pessoa boa. Eu não me esqueço dos meus amigos. Eu aceito que eles voltem à minha vida. Eu sou generosa. Eu aceito receber pessoas novas em minha casa, só para garantir o bem estar de todos. Eu sou uma heroína. Eu dou o peito às balas para salvar as pessoas de quem gosto. A vida não é justa.
- Ela já conhece a minha cama...
Amigo continua desconfiado.
- Oh, que cara é essa? Ela está assim porque já foi muito feliz aqui...
Amigo mostra-se desconfortável.
- Epá, calma! Ela esteve na minha cama, mas eu também estava!
Amigo arregala os olhos num misto de sensação de facada no peito e excitação sexual.
- Epá, isto agora soou mal, não foi? Não interpretes isto mal! Eu estava na cama com ela com ela, mas também estavam mais pessoas...
Amiga puxa amigo pelo braço, faz cara de má e manda-me calar.
Ah, a ingratidão...